pão-doce-de-açúcar

Ele trouxe pão-doce-de-açúcar, me recordo como se fosse hoje como estavam macios!  Eu então peguei o meu, passei margarina e corri para o quintal, para “esquentar sol”, como vovó até hoje diz. 

Na casa vizinha à minha, no canto direito, moravam quatro mocinhas pouca coisa mais velhas que eu e infelizmente a condição de vida das mocinhas impediam que elas tivessem um pãozinho sequer para comer de manhã: o pai era doente, acamado e a mãe trabalhava o dia todo para tentar alimentar as garotas, que ficavam o dia inteiro olhando para o horizonte, à espera de qualquer coisa que hes pudesse satisfazer as necessidades.

Lembro de ter visto em um morro, de um bairro vizinho, vários objetos brancos esparramados. Após tentar de todas as formas desvendar o que poderiam ser aqueles objetos e não me contentando com minha simplória dedução resolvi perguntar para uma delas:

Tianinha? Você sabe o que é aquilo lá em cima? Aquilo branco lá no morro?

Ela respondeu rapidamente que sabia!!! Fiquei tão feliz, satisfaria minha curiosidade, alguém me contaria o que era aquilo e a mim caberia o título de menina-sabe-tudo. 

Ela me contaria o que era com uma condição: que eu desse um pão para ela. Ah! Tudo bem, porque não? Peguei aquele mesmo que estava em minhas mãos e nem havia mordido e entreguei para ela.

Me conta Tianinha! O que é aquilo branco lá em cima? Ela responderia se eu trouxesse mais um pãozinho para a Bia, a irmã dela...
Eu trouxe afinal que mal havia? Era só um pão!

Agora me conta Tianinha! O que é? Novamente ela impôs a condição e dessa vez eu deveria trazer um pãozinho para a outra irmã (não me recordo do nome dessa)...

Eu trouxe e nesse momento meu coração já não agüentava mais e quase explodia de ansiedade! Ti aninha agora me fala! O que é aquilo lá em cima, branco, em cima do morro?

-É papel higiênico.

Ela se virou então, voltou para dentro do barraco e recostou-se na janela, precisava esperar sua mãe. Cada uma das meninas que estavam na roda, e agora alimentadas, se dissiparam.

Eu continuei ainda por alguns momentos ali parada, olhando para o morro com coberto pela camada branca que escondia a terra do morro, e que agora eu sabia era papel higiênico.

Não pelos pães, afinal vovô era padeiro e sempre trazia para casa muitos pães. Nunca me importaria em compartilhar com elas...
O que mais me intrigou naquele momento, e disso eu me lembro muito bem, foi o fato de ter pensado antecipadamente na mesma hipótese que Tianinha propôs, mas não ter conseguido acreditar em mim mesma.
Precisava que alguém, outra pessoa me dissesse algo que eu já sabia para poder acreditar?
Porque não acreditamos em nós?


(Ao voltar para casa, depois de encarar um dia tão ardiloso como há muito tempo não enfrentava, lembrei-me dessa história. É daquele tipo de infância, que a gente nem sabe bem porque lembrou, ou por qual propósito ou ligação a mente exausta resolveu fazer-lhe reviver tantos fatos ora cômicos, trágicos ou desconexos...)


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