Segunda Carta
Segunda
carta
Querido,
Já
sinto saudades e olha que você mal se despediu da nossa terra azul e verde.
Custei a dormir na última noite, em parte por causa dos ruídos da casa, aqueles
inexplicáveis que teimam me assustar madrugada afora, e em parte porque me
preocupei, sem notícias suas. Agora e mais calma em saber que correu tudo bem,
avalio que meu mais ardente desejo era poder ter visto seu rosto, ao pisar pela
primeira vez em terras diferentes. O único sentimento que poderia facilmente
substituir o vazio que restou da sua voz, me dando bom dia pelas manhãs, seria
a lembrança de ver seus olhos sorrindo, fantasiando as aventuras do porvir
nesse lugar desconhecido.
Mas falemos de você menino-homem-rapaz que enche meus dias de sol. Que bom que conseguiu reaver nossa bagagem. Nossa porque foi exatamente no fundo falso da mala cinza que escondi nossas fotos, os chicletes menta e algumas cartas que escrevi. Queria que levasse junto de você nossos caprichos, nossas manias e minhas suplicas para não me esqueceres em meio ao Atlântico. Pensando bem não foi um bom sinal nossa mala, justo essa, ter ido parar na Nova Zelândia, um país insular, isolado do resto do mundo, por sua localização geográfica... Ouvi dizer que de tão sozinha no planeta, a “Aotearoa” – como os nativos do local a chamam e quer dizer ‘A Terra da Grande Nuvem Branca’, acabou tendo que crescer sozinha e desenvolver uma fauna só sua, dominada em sua maioria por pássaros, que acabaram se mudando de lá, depois que os seres humanos chegaram.
Será que recebemos um sinal meu bem? Nossas
lembranças ficarão perdidas em algum lugar inacessível? Ou elas ganharão vida
própria e se eternizarão de um jeito todo próprio, típico de você, diferente,
especial e cativante? Ainda não sei.
Gostei
do papel que usou para escrever sua última carta, que de tão delicado me fez
lembrar o perfume de suas mãos, que um dia também adornaram as curvas do meu
corpo. Dona Lurdinha disse que nem quando tinha o marido vivo viu tanto carinho
e dedicação em um falar, como viu no seu. Disse a ela que sua doçura não pode
ser mensurada, tão pouco comparada com a de ninguém que vive ou viveu, porque
você não se encaixa a nenhum dos padrões que as pessoas medíocres insistem em
instituir. Ela riu, apenas.
Ah, ia
me esquecendo, pelo retrato que me mandou, do céu recortado pela sua
janela, é parecido com o pedaço do nosso céu, que também consigo ver aqui. Meu
coração se aqueceu só de saber que ao olhá-la estaremos, enfim, juntos pela
mesma visão de paisagem. E ai eu vejo você.
De
sua, Helena Kastanho
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